Loving Vincent ou, em Portugal, A Paixão de Van Gogh, o filme biográfico sobre a vida do pintor impressionista, veio para deixar a sua marca no modo como relacionamos cinema e arte.
O primeiro filme do mundo completamente pintado à mão, sem qualquer intervenção digital, demorou seis anos a ser pintado por uma equipa de 125 pintores e já ganhou um prémio de audiência no Festival de Cinema de Animação de Annecy e um Golden Trailer nos Golden Trailer Awards. O Tuga POP esteve presente na antestreia do filme em Lisboa, e teve a oportunidade de participar de um Q&A com os próprios diretores, Dorota Kobiela e Hugh Welchman.
Dorota Kobiela cresceu com a ideia de fazer um filme que contasse a história de um artista através do seu trabalho. A diretora diz que esse artista não podia ser ninguém para além de Vincent van Gogh, cuja determinação em mostrar o seu valor, mesmo com mais de trinta anos e após ter falhado em quatro carreiras, a inspirou num período difícil da sua vida.
A história tem lugar dois anos após a morte de Van Gogh. Joseph Roulin, amigo de Vincent e o carteiro que levava e trazia as cartas que ele trocava com o seu irmão, Theo van Gogh, descobre uma carta que ficou esquecida nos pertences do pintor. Pede ao seu filho, Armand Roulin, que a entregue a Theo, sem saber que ele também morrera seis meses depois de Vincent. Mas Armand não volta para trás e segue viagem, com o objetivo de entender melhor o suposto suicídio do pintor, que parece cada vez mais improvável.
O diretor Hugh Welchman, criador da curta “O Pedro e o Lobo” (2006) que foi um sucesso em Portugal, conta que foram necessárias 12 pinturas por cada segundo de filme, tendo sido pintadas, ao todo, 65.000 telas. Quando questionado sobre os métodos de seleção dos pintores envolvidos, Welchman responde que receberam mais de cinco mil candidaturas de todo o mundo. Dessas, 500 foram selecionadas para uma audição de pintura em animação que durou três dias, e resultou na seleção dos 125 artistas finais que, por sua vez, participaram num treino intensivo de 200h e foram posteriormente separados por especialidade.
O diretor acrescenta que a sequência de abertura do filme, baseada no quadro Noite Estrelada, foi feita por três pintores e demorou 14 meses a ser completada, tendo cada segundo demorado duas semanas a ser pintado.
The opening shot of Loving Vincent, descending through Van Gogh’s The Starry Night, contains over 600 paintings and took three painters a combined total of 14 months to paint.
Posted by Loving Vincent on Thursday, October 19, 2017
No filme, são utilizados dois estilos distintos para abordar a narrativa: o primeiro podia ter sido pintado pelo próprio Van Gogh, repleto de cores vivas e traços arrojados, que incentivam o dinamismo da ação. Os retratos refletem o pormenor necessário para trazer expressão e movimento às personagens, sem nunca abandonarem o impressionismo característico de Van Gogh; já os cenários transmitem uma visão mais ampla e condensada mas nem por isso menos complexa, e são facilmente identificáveis através das obras do pintor.
O segundo estilo utilizado é mais realista e a preto e branco, que ilustra cenas do passado e flashbacks. A diretora, Dorota Kobiela, explica que a sua ideia era criar um filme partindo dos quadros do artista, sem ter que inventar cenários que ele nunca reproduzira; de modo a cobrir a história visualmente, separaram o presente, que demonstra o mundo como Vincent o via, do passado, que representa a forma como o mundo via Vincent. Para além de ajudar a contar a história, o preto e branco também atua como um descanso visual para os espectadores, interrompendo as dinâmicas pinturas com um estilo mais suave e realista, que não pretende imitar o do pintor, ainda que mantendo a técnica a óleo.
Por vezes é esquecível que o que se encontra no grande ecrã são pinturas, na medida em que a audiência é envolvida no mundo de Van Gogh ao longo da narrativa e passa, ela própria, a assumir aquele mundo como seu. O filme concilia o vigor e dinamismo das pinturas com a ação e a música de um modo incrivelmente harmonioso, envolvendo o espectador na história sem alguma vez ter de questionar o seu realismo. Apesar do ser, ao fim de contas, um filme de animação, este fator não anula a seriedade ou a emoção da narrativa por um segundo – pelo contrário, confere-lhe um grau de emoção que seria impossível de transmitir sem as pinceladas de cada cena.
Se metade da história é contada através do guião, a outra metade estará forçosamente nos traços e nas telas, onde Van Gogh realmente se encontra. Ser capaz de entender a sua visão a um nível tão profundo e como nunca antes tinha sido tentado faz com que o filme seja um dos maiores tributos alguma vez criados ao artista que, em vida, nunca foi valorizado.
A Paixão de Van Gogh estreou ontem, dia 19 de outubro nos cinemas do país e é um filme obrigatório para quem aprecie arte e cinema, apesar de qualquer um poder desfrutá-lo. É também um modo fantástico de aprender mais sobre a vida e a morte do pintor impressionista que queria, mais do que tudo, tocar as pessoas com a sua arte.